«O nuclear é incontornável»
diz Cesare Marchetti, o mais velho futurista europeu do nuclear.
O garrote geopolítico do petróleo e do gás natural trouxe o nuclear de regresso. Os sinais de falhanço da estratégia norte-americana de ocupação da geografia do ouro negro e de incerteza na contenção das regiões euro-asiáticas e magrebinas do gás, ajudou ao fim da diabolização do nuclear entre os fazedores de opinião e nos media.
Mas, Cesare Marchetti, um físico italiano de 79 anos, um dos mais velhos futuristas europeus defensores do nuclear para o desenvolvimento da economia do hidrogénio, diz que o retorno desta energia ao palco era inevitável, não fundamentalmente por causa da turbulência geopolítica, mas por "culpa" do ciclo longo económico e tecnológico, conhecido por "vaga de Kondratieff".
Sexto sentido
«A energia nuclear é incontornável. Ela e o gás natural dominarão o mercado de energias nos próximos 50 anos. Isto que venho dizendo desde os anos 1970, voltei a repeti-lo num relatório para a Comissão Europeia em 1990 [intitulado "Our Society and Nuclear Energy"]. Nessa ocasião afirmei que o regresso do nuclear dar-se-ia quando o estado de espírito das sociedades, moldado pelo ciclo longo de Kondratieff, permitisse a propagação de sinais positivos. O revivalismo do tema não está directamente ligado ao preço do petróleo ou à incerteza política», diz-nos Marchetti, que continua a trabalhar como investigador no International Institute for Applied Systems Analysis, na Áustria, para onde entrou em 1974 como cientista sénior.
O italiano apontou, então, para uma janela de oportunidade a partir de meados dos anos 1990 e à medida que a viragem para um novo ciclo longo se aproximasse. «Eventos dramáticos ocorrerão mais tarde ou mais cedo que farão a trajectória realinhar-se com a predição», previu ele. Esta convicção no ciclo longo permite-lhe «um sexto sentido para perceber o que está para vir», ironiza Marchetti, que hoje passa uma boa parte da sua vida na sua "villa" e nas suas vinhas perto de Florença.
Há já no horizonte sinais claros de mudança de política pública nos Estados Unidos, com o anúncio em 2005 da selecção de dois locais para novas centrais nucleares - o que não acontecia desde 1978 - e da publicação do "Energy Policy Act" que financia um projecto de nova geração de centrais para produção de electricidade e hidrogénio, incluindo a redução de lixo nuclear.
A Administração Bush pediu, também, ao Congresso 250 milhões para o próximo ano fiscal, mas afirma que isso é parte de um orçamento de 13 mil milhões de um programa até 2010, divulgado há quatro anos atrás. O lóbi da indústria nuclear antecipou já a construção de 12 a 15 novas centrais até 2015 nos EUA, segundo o Nuclear Energy Institute. Marchetti refere inclusive «uma operação muito inteligente por parte dos americanos nos últimos anos ao reorganizarem as centrais nucleares em operação - sem construírem sequer uma nova ganharam um extra de 50% das antigas, ou se prefere criaram 50 novas centrais 'virtuais'». «Não vão poder repeti-lo, mas é um excelente movimento para recomeçar», conclui.
A ilha do hidrogénio
Em virtude de não ter havido ultimamente nenhuma invenção radical no âmbito da energia - como ocorrera nos anos 1940 com a pilha nuclear de Enrico Fermi, que abriu caminho para os primeiros reactores nos anos 1950 -, Marchetti viu na fissão nuclear a energia de "intervalo" depois de atingido o pico do gás. O peso da energia nuclear na produção mundial de energias primárias era em 2003 (últimos dados da EIA norte-americana) de 6% (quase tanto como a hidroeléctrica). Marchetti apontava, nas suas simulações dos anos 1980, para 10% em 2020.
Os estudos mais recentes, elaborados por uma equipa multidisciplinar do MIT em 2003 [The Future of Nuclear Power], apontavam para um quota do nuclear no mercado mundial de electricidade de 19% em 2050 (no caso dos países desenvolvidos, de 30%), apenas mais uns modestos 3% do que actualmente.
Por isso, segundo Marchetti, o disparo do nuclear não se acantonará na área da produção da electricidade (como hoje é discutido, face a exemplos como a França e a Lituânia com mais de 70%, ou a Bélgica com 58% e a Suécia com 47%): «A solução é usar o nuclear para produzir o hidrogénio, um combustível extremamente flexível e útil. O mercado-alvo para o hidrogénio é o não-eléctrico. Mas, claro, que as escolhas em detalhe serão ditadas pelas oportunidades», diz este pioneiro da economia do "Hway" (caminho do hidrogénio).
Em 1973, no auge do primeiro "choque petrolífero", chegou a sugerir junto de audiências japonesas (entusiasmadas) a ideia de um atol no Pacífico que se transformaria na primeira "ilha do hidrogénio com base no nuclear" por 50 mil milhões de dólares de investimento. Marchetti recorda essa sugestão como «uma imagem telescópica do futuro», e conclui a nossa conversa: «O começo pode ser bem mais modesto».
Mas Marchetti continua a acreditar que, por volta de 2025, poderá ocorrer uma "irrupção" de algo novo (que tem designado por "fusão nuclear ou solar"), que, no entanto, terá um longo caminho a percorrer, como referia no seu artigo de síntese sobre a evolução energética [Society as a Learning System] publicado em 1980, que continua a ser a "bíblia" do que ele pensa.
A sua mais recente paixão pouco tem a ver com o nuclear, mas com um conterrâneo seu, Leonardo da Vinci. «Estou a escrever um livro sobre o outro Leonardo», diz com ar intrigante. Nos últimos anos este físico tem andado a tentar "descodificar" o que está oculto na obra de da Vinci, aquilo que se ele revelasse às claras, na altura, lhe teria custado a cabeça. Cesare Marchetti tem descoberto vários criptogramas que apontam para descobertas no universo, crítica social violenta e histórias pessoais dramáticas do artista.
Jorge Nascimento Rodrigues, editor de www.janelanaweb.com Março 2006
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